quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Nêga Maria

Júri formado
Salão apinhado
Promotor, Juiz, Advogado.

O magistrado com a veste apropriada
Estufa o peito como se fosse um rei orgulhoso, altivo
Anuncia o silêncio
A sessão se inicia.

Dois guardas entram pela porta lateral
Trazendo uma negra velha maltrapilha
Cabelos brancos, olhar perdido, rosto enrugado
Humildemente diz: “Eu sou Nêga Maria”!

Disse o promotor: Esta senhora está sendo acusada
De ter roubado um pão na padaria
Que mundo é este em que vivemos
Onde nem para os velhos a Lei tem mais valia?

A ré cabisbaixa tudo ouve, levanta o rosto
Soluçando em nostalgia
- Passo fome, seu “dotô”, passo fome
O sinhô no meu lugá guentaria?

Fui parida numa fazenda de café
Já menina começou a minha lida
Trabaiei na casa grande da fazenda
Fui babá das criança que nascia.

Dispôis casei cum Zé lavradô
Tivemu muito fio, qui alegria!
Amamentava us meu fio, seu dotô
E us fio da Sinhá que leite num tinha.

E o tempo foi passando, foi passando
A casa grande foi perdendo o brio
Tudo acabô em nada, seu dotô
Sô farrapo de gente, passo frio.

O juiz incisivo fitou a ré
E já meio ansioso, faz a pergunta:
- Qual era o nome de seu patrão mulher?
Ela responde: João Leopoldo Siqueira
Casado com Sinhá Darva de Oliveira
Tiveram cinco anjinhos, que beleza!

O juiz meio atordoado
Não querendo lembrar o passado
Pigarreia triste lembrança
Ela, numa inocência de criança
Levanta o rosto e um olhar triste lança
Pergunta-lhe: Qual o seu nome, seu dotô?

-Chamo-me Dr. Raimundo Siqueira
Nascido na Fazenda da Limeira
Estudei na capital e aqui estou.

Ela se levanta aturdida
Solta a voz rouca, quase sumida
Abre a roupa, num misto de alegria e dor
Mostra-lhe os seios já emurchecidos
E, quase sem sentido, diz:
- Fio, foi este peito que te amamentou!

O juiz se levanta perplexo
Enlaça a velhinha num grande amplexo
E deixa o salão sem nada dizer.

Jesus, que tudo assiste, os abençoa
Em sua benevolência, tudo perdoa
E faz Nêga Maria renascer.

E lá no céu luminoso
Deus deixou de franzir as sobrancelhas
E no peito de Nêga Maria
Surgiram radiosas, duas rosas vermelhas.

(Homenagem “in memoriam” à amada Vovó Mariinha pelo belíssimo texto)

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